Durante muito tempo pensou-se que, para ganhar músculo, os tempos de descanso entre séries tinham que ser de ~60 segundos. Verificou-se que, depois de uma sessão de treino com descansos curtos, existe um pico de produção de hormonas anabólicas, em especial hormona do crescimento (GH) [1], que se pensou ser a causa do ganho de músculo subsequente. A isto chamou-se de Hipótese Hormonal, que nos levou a pensar que, para ganhar músculo, tínhamos de manter os tempos de descanso curtos.
No entanto, a literatura que temos sobre o tópico não parece apoiar esta ideia:
Souza Junior et al. [2] encontrou ganhos de músculo semelhantes entre um grupo que descansou 2 minutos entre séries vs. outro que na primeira semana descansou 2 minutos, mas a cada semana diminuiu o tempo de descanso em 15 segundos, até chegar a 30 segundos na última semana. O grupo que descansou sempre 2 minutos fez mais volume total (+9,4% no supino com barra e +13,9% no agachamento com barra).
Outro estudo por Souza Junior et al. [3] com o mesmo design do anterior, também encontrou ganhos de músculo semelhantes entre grupos. Tal como no estudo anterior, o grupo que descansou sempre 2 minutos fez mais volume total.
Schoenfeld et al. [4] comparou um grupo que fez 3x10 com 90 segundos de descanso vs. outro que fez 7x3 com 3 minutos de descanso e não encontrou diferenças relativas a ganho de músculo entre grupos.
Schoenfeld et al. [5] descobriu que descansar 3 minutos entre séries resultou em maiores ganhos de músculo vs. descansar apenas 1 minuto. Os autores recomendaram um mínimo de 2 minutos de descanso entre séries se o objetivo for maximizar os ganhos de músculo.
Num estudo de revisão por Henselmans & Schoenfeld [6], os autores concluiram que, até à data, nenhum estudo mostrou maiores ganhos de músculo com descansos mais curtos vs. longos e que a literatura, como um todo, sugere que a manipulação dos tempos de descanso tem um impacto muito pequeno no ganho de músculo, quando comparado com outras variáveis, como o volume, que "sofre" quando são usados descansos curtos. Este último ponto é apoiado por vários estudos [7,8,9]: todos eles (mais os dois primeiros aqui referenciados) mostram que descansos curtos diminuem o número de repetições feitas por série, diminuindo o volume total. Isto pode diminuir a magnitude do estímulo, visto que o volume parece ser uma variável bastante importante para ganhar músculo, já que vários estudo mostram a existência de uma relação dose-resposta entre volume e hipertrofia [10,11,12,13].
Uma revisão sistemática por Grgic et al. [14] concluiu que as descobertas sugerem o uso de tempos de descanso mais longos (>60 segundos) quando o objetivo é maximizar os ganhos de músculo, já que permite treinar com maiores volumes. Também afirma que a intensidade de treino e o tipo de exercício têm um impacto no tempo que deves descansar: ir à falha requer maior descanso, bem como exercícios compostos, porque são mais exigentes e fatigantes. Exercícios de isolamento e máquinas podem requerer menores tempos de descanso.
Para além destes estudos sobre o impacto dos tempos de descanso no ganho de músculo, também existem algumas evidências que vão contra a Hipótese Hormonal: um estudo por McKendry et al. [15] comparou um grupo que descansou 5 minutos entre séries vs. outro que descansou 1 minuto e verificou uma maior resposta anabólica no grupo que descansou menos, mas também uma síntese proteica muscular e sinalização intracelular atenuadas no início do período pós-treino. Isto significa que o estímulo de sessões com descansos curtos é, na realidade, mais fraco, o que não é nada bom se o objetivo é maximizar o ganho de músculo. Para além disso, o pico de hormonas anabólicas que se verifica, principalmente de GH, não é causador de ganho de músculo. Isso acontece, muito provavelmente, porque uma das funções da GH é a mobilização de substratos energéticos e, quando se descansa muito pouco, essa mobilização tem de acontecer mais depressa.
Juntando tudo, grande parte da literatura sobre o tópico indica que ou não existem diferenças entre descansos longos vs. curtos, ou existe um pequeno benefício a favor de descansos mais longos. Também existem evidências que mostram que sessões de treino com descansos curtos resultam numa síntese proteica muscular atenuada e diminuem o número de repetições que se consegue fazer por série. Isto significa menos volume, o que por sua vez, significa uma magnitude de estímulo mais baixa. De acordo com a minha experiência, descansos mais longos também ajudam com a recuperação psicológica que, na minha opinião, é muito importante, principalmente em exercícios compostos e pesados, aumentando a capacidade de treinar bem perto da falha muscular.
Se o teu objetivo é ganhar músculo, deves ir ao ginásio treinar os músculos e não o sistema cardiovascular, por isso demora o teu tempo, descansa pelo menos 2 minutos entre séries e o suficiente para sentires que consegues fazer outra série de elevada qualidade. Pessoalmente, costumo descansar 2-3 minutos em grande parte dos exercícios de isolamento e 3-4 em exercícios compostos (mais perto dos 3 em supinos, lat pulldowns e remadas para repetições moderadas e mais perto dos 4 em agachamentos, peso morto e as suas variações, principalmente se estiver a usar muito peso para poucas reps).
Apesar de escolheres tempos de descanso diferentes para cada exercício, certifica-te que os standardizas: se escolheres descansar 3 minutos entre séries de supino na 2ª feira, certifica-te que todas as 2ª feiras descansas aproximadamente 3 minutos e não significativamente mais ou menos.
Aplicações práticas:
Descansa pelo menos 2 minutos entre séries e o suficiente para sentires que consegues fazer outra série de elevada qualidade.
Podes (e provavelmente deves) descansar ainda mais em exercícios pesados e compostos (principalmente se fores bastante forte). Estes requerem maior tempo de recuperação, por serem mais fatigantes em termos neuromusculares e psicológicos.
Standardiza os tempos de descanso para cada exercício.
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Referências:
[1] Schoenfeld BJ, Postexercise hypertrophic adaptations: a reexamination of the hormone hypothesis and its applicability to resistance training program design. J Strength Cond Res. 2013 Jun;27(6):1720-30.
doi: 10.1519/JSC.0b013e31828ddd53
[2] Souza-Junior TP, Fleck SJ, Simão R, Dubas JP, Pereira B, Pacheco EM, Da Silva AC, Oliveira PR. Comparison between constant and decreasing rest intervals: influence on maximal strength and hypertrophy. J Strength Cond Res. 2010 Jul;24(7):1843-50.
doi: 10.1519/JSC.0b013e3181ddae4a
[3] Souza-Junior TP, Willardson JM, Bloomer R, Leite RD, Fleck SJ, Oliveira PR, Simão R. Strength and hypertrophy responses to constant and decreasing rest intervals in trained men using creatine supplementation. J Int Soc Sports Nutr. 2011 Oct;8(1):17.
doi: 10.1186/1550-2783-8-17
[4] Schoenfeld BJ, Ratamess NA, Peterson MD, Contreras B, Sonmez GT, Alvar BA. Effects of different volume-equated resistance training loading strategies on muscular adaptations in well-trained men. J Strength Cond Res. 2014 Oct;28(10):2909-18.
doi: 10.1519/JSC.0000000000000480
[5] Schoenfeld BJ, Pope ZK, Benik FM, Hester GM, Sellers J, Nooner JL, Schnaiter JA, Bond-Williams KE, Carter AS, Ross CL, et al. Longer Interset Rest Periods Enhance Muscle Strength and Hypertrophy in Resistance-Trained Men. J Strength Cond Res. 2016 Jul;30(7):1805-12.
doi: 10.1519/JSC.0000000000001272
[6] Henselmans M, Schoenfeld BJ. The effect of inter-set rest intervals on resistance exercise-induced muscle hypertrophy. Sports Med. 2014 Dec;44(12):1635-43.
doi: 10.1007/s40279-014-0228-0
[7] Senna GW, Figueiredo T, Scudese E, Baffi M, Carneiro F, Moraes E, Miranda H, Simão R. Influence of Different Rest Interval Lengths in Multi-Joint and Single-Joint Exercises on Repetition Performance, Perceived Exertion, and Blood Lactate. J Exerc Physiol Online. 2012 Oct;15(5):96-106.
[8] Willardson JM, Burkett LN. A comparison of 3 different rest intervals on the exercise volume completed during a workout. J Strength Cond Res. 2005 Feb;19(1):23-6.
doi: 10.1519/R-13853.1
[9] Senna G, Willardson JM, De Salles BF, Scudese E, Carneiro F, Palma A, Simão R. The effect of rest interval length on multi and single-joint exercise performance and perceived exertion. J Strength Cond Res. 2011 Nov;25(11):3157-62.
doi: 10.1519/JSC.0b013e318212e23b.
[10] Schoenfeld BJ, Contreras B, Krieger JW, Grgic J, DelCastillo K, Belliard R, Alto A. Resistance training volume enhances muscle hypertrophy but not strength in trained men. Med Sci Sports Exerc. 2018 Aug;51(1):94-103.
[11] Schoenfeld BJ, Ogborn D, Krieger JW. Dose-response relationship between weekly resistance training volume and increases in muscle mass: A systematic review and meta-analysis. J Sports Sci. 2016 Jul;35(11):1073-1082.
[12] Krieger JW. Single vs. multiple sets of resistance exercise for muscle hypertrophy: A meta-analysis. J Strength Cond Res. 2010 Apr;24(4):1150-9.
[13] Radaelli R, Fleck SJ, Leite T, Leite RD, Pinto RS, Fernandes L, Simão R. Dose-response of 1, 3, and 5 sets of resistance exercise on strength, local muscular endurance, and hypertrophy. J Strength Cond Res. 2015 May;29(5):1349-58.
[14] Grgic J, Lazinica B, Mikulic P, Krieger JW, Schoenfeld BJ. The effects of short versus long inter-set rest intervals in resistance training on measures of muscle hypertrophy: A systematic review. Eur J Sport Sci. 2017 Sep;17(8):983-993.
doi: 10.1080/17461391.2017.1340524
[15] McKendry J, Pérez-López A, McLeod M, Luo D, Dent JR, Smeuninx B, Yu J, Taylor AE, Philp A, Breen L. Short inter-set rest blunts resistance exercise-induced increases in myofibrillar protein synthesis and intracellular signaling in young males. Exp Physiol. 2016 Jul;101(7):866-82.
doi: 10.1113/EP085647
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