Neste artigo vou-te dizer tudo o que precisas de saber sobre como treinar o peito de forma eficiente. Lê até ao fim porque vou partilhar alguns exemplos de como estruturaria o treino de peito em diferentes splits.
Vamos começar por falar sobre a parte anatómica e as funções do Grande Peitoral e vamos traduzir isso para a prática, ou seja, vamos falar de forma geral sobre exercícios, através de categorias. Depois vamos falar sobre considerações a ter em conta no que toca à programação: frequência de treino por semana, número e variação de exercícios, volume de treino, ranges de repetições, proximidade à falha e descansos entre séries. Por último, vamos colocar tudo na prática e programar o treino de peito em exemplos de splits reais.
Anatomia e Funções
O Grande Peitoral tem 3 divisões anatómicas (denominadas porções), tendo em conta a direção das fibras:
A porção clavicular, que tem origem na clavícula e as suas fibras correm numa direção mais de cima para baixo.
A porção esternal, que tem origem no esterno (na sua maioria) e fibras correm numa direção horizontal.
A porção costal, que tem origem numa zona tendinosa que se liga aos abdominais e as suas fibras correm numa direção mais de baixo para cima.
Todas elas se inserem na crista do tubérculo maior que está na parte anterior/ligeiramente interna do úmero. De notar que a maioria das fibras fazem parte da porção esternal.
O Grande Peitoral é um músculo com um certo grau de convexidade porque assenta nas costelas e utiliza-as como uma espécie de roldana anatómica. Isto significa que as costelas (a caixa torácica em si) altera a direção das fibras dando maior vantagem mecânica ao músculo para produzir força em determinadas posições. Quando o úmero se afasta da caixa torácica (pensa, por exemplo, quando fazes supino com halteres com os braços muito afastados do tronco), o peito perde alguma desta vantagem mecânica porque a direção das fibras deixa de estar bem alinhada com a direção do movimento. Para além disso, também vais ser obrigado utilizar uma amplitude menor. Por essas razões, queremos fazer os movimentos de press com os cotovelos a movimentarem-se relativamente perto do tronco em vez de estarem numa posição muito afastada. Quão perto do tronco já vai depender da tua morfologia/estrutura específica.
Quanto às ações, temos duas que são mais relevantes: elas ocorrem em diferentes graus e são a adução do braço (que é a principal) e flexão do mesmo. Mas é importante não pensar nestas ações de forma isolada, mas sim ver como é que isso se traduz na prática.
Quando falamos sobre exercícios, o mais importante é pensar em aproximar a inserção da origem, ou seja, focar no movimento do úmero, não da mão.
Para a porção clavicular, pensa em aproximar o úmero da zona clavicular;
Para a porção esternal, pensa em aproximar o úmero do esterno;
Para a porção costal, pensa em aproximar o úmero da parte inferior do peito.
Também é muito importante ter em mente que todos os movimentos vão trabalhar, de certa forma, todas as porções do peitoral, principalmente os movimentos com uma boa componente de alongamento, porque como as fibras estão mais alongadas, correm todas numa direção um pouco mais semelhante umas às outras e, por isso, contribuem todas de maneira muito semelhante para produzir força. À medida que nos aproximamos da posição de maior contração, vai haver um foco um pouco maior da aplicação do estímulo a uma destas porções, tendo em conta o sítio onde o úmero/braço acaba.
Exercícios
Vamos agora falar sobre exercícios específicos. Podes escolher exercícios que dão maior ênfase a cada uma das 3 divisões, apesar de qualquer um deles trabalhar o peito de forma completa, mas também podes escolher exercícios que trabalham mais o peitoral na fase alongamento ou no pico de contração:
Exercícios de press permitem, no geral, trabalhar mais a fase de alongamento (no caso de exercícios de press-around, depende da posição do tronco em relação ao cabo, mas já lá vamos).
Exercícios de pec-deck e flys nos cabos dão, no geral, um pouco mais de ênfase ao pico de contração.
Vamos por categorias:
Exercícios de supino: halteres, barra e Smith Machine, são todas boas opções, cada um com os seus prós e contras. Se tivesse de pôr em ordem de preferido, colocaria Halteres > Smith Machine > Barra livre. Nestes movimentos, podes usar vários níveis de inclinação do banco, para dar um pouco mais de ênfase a uma das porções. “Um pouco mais de ênfase” é a expressão correta porque estes movimentos de supino vão trabalhar o peito na sua totalidade, não vão isolar uma ou outra porção. Para um pouco mais de ênfase na porção costal (1), coloca o banco ligeiramente declinado ou na horizontal; para a porção esternal (2), banco na horizontal ou muito ligeiramente inclinado; para a porção clavicular (3), banco com uma inclinação mais acentuada.
Supino com Halteres:
Supino na Smith Machine:
Supino com Barra:
Máquinas de press de peito: depende muito da qualidade da máquina, mas, principalmente as convergentes, ou seja, aquelas cujo os braços da máquina se aproximam um do outro à medida que empurramos, tendem a ser boas opções porque permitem trabalhar o peitoral em grande parte do seu comprimento.
Press nos cabos: aqui podes manipular a altura das polias e a trajetória do braço para dar um pouco mais de ênfase a uma das porções.
Press Clavicular:
Press Esternal:
Press Costal:
Press-around nos cabos. Estes são os únicos que permitem trabalhar o peitoral na sua máxima contração, porque permitem que o braço cruze a linha média do tronco. Tal como nos presses normais, podes utilizar diferentes alturas da polia e acabar com o braço em diferentes posições para dar um pouco mais de ênfase a uma das porções.
Em qualquer um deles, agarra-te a qualquer coisa para ficares mais estável. Tendo em conta a posição do tronco em relação ao cabo, também podes dar um pouco mais de ênfase à fase de alongamento, em detrimento da contração máxima.
Com o tronco de lado para o cabo: ênfase na posição de maior contração.
Press-around Clavicular:
Press-around Esternal:
Press-around Costal:
De costas para o cabo: ênfase no alongamento, em detrimento do pico de contração.
Press-around Esternal:
Máquinas de Pec-Deck: neste tipo de máquinas também podes dar um pouco mais de ênfase à porção esternal ou costal, alterando a posição do tronco em relação à direção do movimento dos manípulos.
Pec-Deck Esternal:
Pec-Deck Costal:
Flys no Cabo: são uma espécie de pec-deck mas com mais liberdade de movimento dos segmentos. Tal como noutras categorias de exercícios, também podes utilizar diferentes alturas da polia e acabar com o braço em diferentes posições para dar mais ênfase a uma das porções.
Fly Clavicular:
Fly Esternal:
Fly Costal:
Considerações no que toca à programação
Frequência de treino por semana: como qualquer outro grupo muscular, vejo vantagens em treinar o peito pelo menos 2x a cada 10 dias. Para malta mais iniciante aconselho a treinar 2-3x por semana; para malta mais intermédia, aconselho 2x a cada 7 até 10 dias. Para muita gente, o sweet spot vai ser ali nas 2x por semana.
Número de exercícios por semana: regra geral, não vejo grande benefício em ter mais de ~4 exercícios diferentes de peito por semana (ou por microciclo, caso este seja de 8, 9 ou 10 dias). Muita gente pensa que tem de trabalhar cada uma das 3 divisões anatómicas em cada sessão, mas isso não é verdade. Aliás, até me arrisco a dizer que, tirando a porção esternal, nem precisas de o fazer durante a semana/o microciclo de treino e que podes fazer a coisa de forma rotacional, ou seja, estar uns meses com exercícios que dão mais ênfase às divisões esternal e clavicular, por exemplo, e depois trocar alguns exercícios de maneira que o ênfase vá mais para as divisões esternal e costal. Mesmo não tendo trabalho super direto durante alguns meses para as divisões clavicular ou costal, vais conseguir, no mínimo, manter a massa que tens em qualquer uma delas se simplesmente treinares peito porque, como disse antes, o peito como um todo vai ser estimulado independentemente do exercício que fazes, principalmente se o exercício trabalhar a fase de alongamento.
Variação de exercícios: para grande parte das pessoas, um equilíbrio entre exercícios com maior ênfase em cada uma das porções ou ter mais exercícios com ênfase na porção esternal são as melhores apostas. Dar prioridade a exercícios que trabalhem o peitoral na sua fase de maior alongamento também é algo que recomendo.
Número de exercícios por sessão: 1 a 3, sendo que 3 exercícios na mesma sessão vai ser mais adequado para malta mais avançada. O sweet spot para a maioria das pessoas que está a ler este artigoo será entre 1 e 2 e isso vai depender da forma como estruturas as sessões ao longo da semana: se treinares peito 3x na semana, podes optar por fazer 1 exercício em cada uma das sessões; se fizeres algo como Upper/Lower 4x na semana, colocar 2 exercícios em cada uma das sessões de Upper é uma boa opção.
Volume (número de séries de trabalho): em primeiro lugar, isto é algo bastante individual. Tem isso em mente antes de ouvires as minhas recomendações. Em relação ao número de séries por sessão, regra geral, acredito não haver grandes benefícios em passar das 8/10 séries. Se o estímulo que retiras de cada série for bom ou muito bom, não vais precisar de muito volume para crescer. Lembra-te que vais ao ginásio para estimular os músculos, não para os aniquilar. A minha recomendação é a seguinte: começa com 3-6 séries por sessão (dependendo de como estruturas a tua semana de treinos), trabalha para ganhares competência técnica nos exercícios e vai trabalhando cada vez mais perto da falha, para aumentares a intensidade de cada uma delas. Quando já dominares bem o exercício e estiveres a treinar bem perto da falha (~0-2 reps em reserva), vê como o teu corpo reage e se podes acrescentar mais ou não. Quanto ao volume por semana, vai acabar por ser um produto do número de sessões que fazes com a quantidade de séries que fazes em cada uma delas. Não vou dar grandes recomendações, porque acho mais importante adequares o volume que fazes em cada sessão à tua capacidade de recuperação até fazeres a próxima.
Ranges de repetições: grande maioria das séries entre as 6-15 reps. Se quiseres, podes fazer algumas séries no range das 15-20 reps. Em relação à estrutura das séries, vou-te deixar aqui as minhas duas principais abordagens:
Estratégia de Top/Back Off set: fazes a primeira série de cada exercício (top set) com um peso mais alto e para um rep range mais baixo (exemplo: 6-8). Depois fazes uma ou mais back off sets num range de repetições mais alto e com menos peso (exemplo: 9-12 ou 10-15).
Estratégia de Straight Sets: determinas um range de repetições que fazes em todas as séries para determinado exercício (exemplo: 6-10).
Proximidade à falha: todas as séries de trabalho devem ser feitas bem próximas da falha, ou seja, entre 0 a 4 RER (repetições em reserva). Quando não estás habituado a determinado exercício, aconselho a começares com 4/5+ RER para ganhares competência técnica. À medida que vais dominando mais e mais o exercício, vais-te aproximando um pouco mais da falha até estares a treinar a 0-2 reps da falha em tudo.
Descansos: o suficiente para fazeres outra série de qualidade. Tens de te sentir física e psicologicamente preparado para tal. Regra geral, acima de 2 minutos. Como estás a ir bastante perto da falha, podes e em muitos casos deves, descansar mais. Lembra-te que treinar com intensidade não é fazer as séries umas atrás das outras sem descanso quase nenhum. Intensidade de treino é fazer cada série de trabalho concentrado, com intenção, boa técnica e bem próximo da falha. Isso é que interessa!
Por último, as variáveis estão todas interligadas: elas influenciam-se umas às outras. Se tentares cumprir só com uma ou duas coisas e ignorares as restantes recomendações, a coisa não vai funcionar. Se, por exemplo, começas a treinar peito 2x na semana, a fazer as séries bem perto da falha (tipo 1-2 RER) e a descansar bem entre elas, mas em vez das minhas recomendações de, no máximo, 8/10 séries por sessão, fazes 15 em cada uma delas, isso vai ser volume em demasia. Não vais conseguir recuperar o suficiente entre sessões e, por isso, não vais conseguir progredir tão rapidamente ou, pior ainda, não vais conseguir progredir, ponto.
Exemplos reais de Splits
Exemplo 1: Full-body 3x na semana: aqui podes escolher ~3 exercícios de peito e fazer um em cada sessão.
Exemplos de exercícios escolhidos:
Supino com Halteres com o banco horizontal ou ligeiramente inclinado: exercício com uma boa componente de alongamento, que trabalha o peito todo e dá um pouco mais de ênfase na divisão esternal;
Máquina de Press de Peito Inclinada: exercício que também trabalha bem a fase de alongamento e que dá um pouco mais de ênfase à divisão clavicular;
Press-around Costal: exercício que dá um pouco mais de ênfase no pico de contração e na divisão costal.
No total, temos:
2 exercícios a trabalhar bem na fase de alongamento + 1 com um maior ênfase no pico de contração
1 exercício com um pouco mais de ênfase em cada uma das divisões anatómicas.
Neste exemplo, vamos usar a estratégia de Straight Sets:
2ª feira: Supino com Halteres: 3 séries de 6-10 reps @ 1-2 reps da falha com 3,5 minutos de descanso.
4ª feira: Máquina de Press de Peito Inclinada: 3 séries de 8-12 reps @ 1-2 reps da falha com 3,5 minutos de descanso.
6ª feira: Press-Around Costal: 3 séries de 10-15 reps @ 0-1 reps da falha com ~1,5 minutos de descanso.
Exemplo 2: Upper/Lower 4x na semana: aqui podes escolher 2 exercícios de peito para cada sessão de Upper. Quando tens mais que um exercício para o mesmo grupo muscular na mesma sessão, tenta não ser redundante com a sua escolha. Escolher, por exemplo, um supino plano com halteres e depois um supino plano na Smith Machine não faz grande sentido porque são dois exercícios muito iguais.
Exemplos de exercícios escolhidos:
1ª sessão: Supino com Halteres com o banco horizontal ou ligeiramente inclinado (exercício com uma boa componente de alongamento, que trabalha todo o peitoral e dá um pouco mais de ênfase na divisão esternal) + Press-around Costal a dar um pouco mais de ênfase no pico de contração e na divisão costal.
2ª sessão: Supino Inclinado na Smith Machine (exercício com uma boa componente de alongamento e a dar um pouco mais de ênfase na divisão clavicular) + Máquina de Press de Peito convergente (exercício com uma boa componente de alongamento mas também de contração quase máxima e que trabalha o peitoral como um todo, dando um pouco mais de ênfase na divisão esternal).
No total temos:
3 exercícios a trabalhar bem na fase de alongamento + 1 com um maior ênfase no pico de contração.
2 exercícios com maior ênfase na porção esternal + 1 exercício com um pouco mais de ênfase em cada uma das outras duas divisões anatómicas.
Aqui, vamos vou usar a estratégia Top + Back Off:
Para o Upper 1:
- Supino com Halteres: 3 séries: 6-8 reps (top set) + 2x 9-12 reps (back off sets) @ 1-2 reps da falha com 4 minutos de descanso. Na prática começarias, por exemplo, com 80 kg para 6-8 reps e depois baixarias o peso para 60 ou 65 kg para entrares no range das 9-12 reps nas séries seguintes.
- Press-Around Costal: 2 séries: 8-10 reps + 11-15 reps @ 0-1 reps da falha com 1,5 minutos de descanso.
Para o Upper 2:
- Supino Inclinado na Smith Machine: 3 séries: 6-8 reps + 2x 9-12 reps @ 1-2 da falha com 4 minutos de descanso.
- Máquina de Press Convergente: 2 séries: 6-9 reps + 10-15 reps @ 0-1 da falha com 4 minutos de descanso.
Para splits de Push/Pull/Legs ou híbrido de Push/Pull/Legs com Upper/Lower, a programação vai acabar por ser muito semelhante ao exemplo número 2 porque vais acabar por ter, em grande parte dos casos, 2 exercícios de peito em cada sessão.
Em qualquer um destes exemplos, o mais importante é bater a proximidade à falha. Vamos usar o exemplo do Supino com Halteres no Full-body (exemplo 1), em que o rep range prescrito era de 6-10 e as repetições em reserva eram de 1-2. Idealmente queremos estar dentro do range das 6-10 reps, mas se durante uma série bateres no limite superior (neste caso, 10) e ainda tens 4 ou 5 reps no tanque, continua a série até estares a 1-2 da falha. Na próxima série podes aumentar o peso para entrares no range prescrito.
Juntando tudo e acabando com dicas práticas:
Treina peito pelo menos 2x a cada 10 dias. O sweet spot para muita gente vai ser 2x/semana, mas desde 2x a cada 10 dias até 3+ está tudo OK.
Escolhe, no máximo, 4 exercícios por semana e 2 por sessão (podes ponderar incluir um 3º se fores mais avançado).
Dá prioridade a exercícios com uma boa componente de alongamento.
Quanto ao ênfase em cada uma das divisões, escolhe exercícios de forma equilibrada ou dá prioridade a exercícios que dão maior ênfase à porção esternal.
Faz a maioria das séries entre 6-15 reps: usa intervalos mais pequenos, tipo 5-8, 6-10, etc. e utiliza uma das estrutura apresentadas: Top set + Back off set ou Straight Sets.
Depois de dominares a técnica dos exercícios, aponta para intensidades de 0-2 RER.
Descansa o necessário para todas as séries que fazes serem de alta qualidade.
Por último, isto é apenas uma maneira de abordar a programação de treino, não é a única. Tem em mente que isto não é regra. É apenas uma maneira de programar em que as variáveis estão todas interligadas de uma maneira que faz sentido e que gera resultados.
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